sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Pichação do Forte: vandalismo ou disputa de memórias?

A escolha do forte como local para o protesto é "decolonial"

(Foto: Ney douglas)

Neste 7 de setembro, uma contenda tomou conta das redes sociais, após a constatação da pichação no Forte dos Reis Magos, em protesto ao PL do Marco Temporal das terras dos povos indígenas.

Com tinta vermelha, foi inscrita a frase “Não ao PL/2903” e “Aqui é terra indígena.” O marco temporal é uma tese jurídica que diz que os povos originários só podem ocupar as terras em que já estavam ou já disputavam até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

Quase à unanimidade, as opiniões foram de críticas à ação, por vandalismo.

De acordo com o site Saiba Mais, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável pelo tombamento da edificação,  lamentou a situação.

“O Iphan lamenta o ocorrido, considerando que a luta por qualquer direito não deveria comprometer ou atentar contra outro, como o direito à Memória nacional. Diante da urgência que o caso requer, será dada prioridade absoluta à análise e aprovação da intervenção (para a pintura do equipamento)”, afirmou o Iphan.

Duas vistorias já foram realizadas pelo Iphan, na tarde desta quinta (7) e na manhã de sexta (8). O diretor-geral da Fundação José Augusto (FJA), Gilson Matias, o coordenador de obras do órgão, Sérgio Wicliff e o representante do Ministério da Cultura (Minc) no RN, Fábio Lima, também averiguaram o equipamento.

O outro lado

Já a professora de história, Viviane Forte, teceu outras considerações sobre o fato em suas redes sociais.  

Ela explica que o Forte, uma das várias edificações coloniais construídas pelos portugueses ao longo do litoral com o objetivo de proteger o território "descoberto", permanece preservado na atualidade, sobretudo pelas memórias militares que suscita: para além da proteção contra os franceses no século XVI, também foi utilizado durante a Primeira Guerra Mundial.

Para ela, a escolha do forte como local para o protesto é "decolonial", fazendo ali referência às possibilidades de um pensamento crítico para se contrapor ao padrão de poder colonial eurocêntrico.

"Querendo ou não, a memória que o Forte preserva é a de uma história de extermínio, apagamento e sofrimento dos povos indígenas, nossos primeiros habitantes. 

Embora haja um apego muito grande, sobretudo da comunidade historiadora, com monumentos e patrimônios, é importante tomar distância de nossas paixões para enxergar o que de fato está acontecendo: não é vandalismo, muito menos destruição. É a disputa de memórias, é a contestação dos valores atribuídos ao patrimônio, é a transformação do Forte em um patrimônio contestado.

Classificar o ato como vandalismo diz mais sobre quem rotula do que sobre quem está sendo rotulado. É um ato que silencia quem intervém no monumento e perpetua a exclusão dessas pessoas (os indígenas) do espaço e do debate público. É curioso, também, pensar que quando o Forte estava abandonado pelo poder público ninguém pensou em chamar as gestões de vândalas..."

Com razão ou não, os responsáveis pelo protesto conseguiram atingir o objetivo de trazer às rodas a discussão sobre o PL, inclusive pelos que ignoram a temática e os que sequer faziam ideia que o marco vem sendo debatido no Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

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