Por Maria José Angelo*
Consagrada como um dos nomes mais essenciais e relevantes da literatura contemporânea brasileira, a escritora Maria da Conceição Evaristo de Brito é também considerada uma figura importantíssima na luta pela afirmação da identidade negra no país. Nascida em Belo Horizonte, em 1946 e de origem humilde, teve que conciliar seus estudos com o trabalho de empregada doméstica. É Mestra em Literatura Brasileira pela PUC do Rio de Janeiro, com a dissertação Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade (1996), e Doutora em Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense, com a tese Poemas malungos, cânticos irmãos (2011).
(Foto: Leia Mulheres Joinville) |
A literatura branca instaurou uma espécie de hegemonia que acabou alimentando a intolerância e o desprezo pela cultura de matriz africana; a minoria branca classificada como dominante afirmava uma superioridade étnica, criando barreiras sociais, justificando suas ações através de ideologias religiosas e racistas. Participante ativa nas lutas pela valorização da cultura negra no Brasil, Conceição Evaristo estreou na literatura em 1990 com os seu poemas e contos publicados na série Cadernos Negros. Sua escrita conta a história a partir da perspectiva do negro, abarcando o seu cotidiano e elevando sua identidade dando voz e sentimentos, seus personagens possuem características fortes e acentuadas.
Dentre a obras publicadas encontramos: Ponciá Vicêncio (Romance,2003), Becos da Memória (Romance,2006), Poemas da recordação e outros movimentos (poesia, 2008) Insubmissas Lagrimas de Mulheres (Contos 2011), Olhos D’água (Contos,2014), Histórias de Leves Enganos e Parecenças (contos e novela, 2016), Canção para Ninar Menino Grande (romance, 2018).
Conceição Evaristo é criadora do termo escrevivência, que de acordo com a escritora ‘’A escrevivência seria escrever a escrita dessa vivência de mulher negra na sociedade brasileira.” O feminino negro retratado na sua escrita traduz a violência política e a soberania exercida por meio do silencio e da opressão. Uma literatura de resistência e denuncia das marcas de um poder que solapa a existência.
Ela retrata as questões raciais de forma problemática, rompendo toda aquela romanização criada pelos clássicos literários quando o assunto era o negro e sua exclusão social após liberdade, para Conceição Evaristo (2017) “A escrevivência não pode ser lida como historias para ninar os da Casa-Grande, e sim para incomodá-los em seus sonos injustos.” Essa escrita vem para dar destaque aos sentimentos de toda ordem que atravessam a realidade do ser afrodescendente em uma nação que dividimos o espaço.
A literatura canônica impôs uma imagem negativa concernente a cultura e a figura do negro no Brasil. As vozes diásporas vem com intuito de romper com o silencio transgressor imposto por este discurso hegemônico. Conceição Evaristo possui uma voz forte dentro da comunidade negra e sua escrevivência tem como objetivo romper com os estereótipos criados pelas histórias contadas apenas pelo lado opressor. Adichie (2019, p. 23) afirma que “o poder é a habilidade não apenas de contar a história de outra pessoa, mas de fazer que ela seja sua história definitiva”. O negro como autor de sua história não irá limitar-se a um protagonismo, mas sua voz corresponde a um ato de reparação de um espaço existencial.
A voz da escrevivência vai contra a invisibilidade social que foi imposta ao negro, ressignficando sua história de vida, resgatando sua identidade. Ela quebra o silencio dos marginalizados que outrora foi recoberta pelas vozes dos que buscavam falar em nome deles. Como uma ferramenta de denuncia a escrita diáspora salta dos escombros para fazer ecoar o que lhe foi negado historicamente.
Quando eu morder
a palavra,
por favor,
não me apressem,
quero mascar,
rasgar entre os dentes,
a pele,os ossos, o tutano
do verbo,
para assim versejar
o âmago das coisas.
(Conceição Evaristo, Da calma e Do silencio)
Conceição Evaristo traz em sua narrativa um tom de sentimentalidade, um lirismo carregado de alegrias, conflitos, gritos e sussurros de uma alma preta, que por séculos ficaram presas em uma ilha de mentiras e sobrepujados a cultura branca, em especial, das mulheres negras que tem suas vozes constantemente silenciadas.
O banzo renasce em mim. Do negror de meus oceanos a dor submerge revestida esfolando-me a pele que se alevanta em sois e luas marcantes de um tempo que aqui está.
(Conceição Evaristo in Cadernos Negros – vol. 15)
*Maria José Ângelo é graduada em Língua Portuguesa e Respectivas Literaturas pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. (UERN).
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