segunda-feira, 29 de março de 2021

Jair Bolsonaro é condenado a indenizar jornalista Patrícia Campos Mello

Presidente fez ataque machista à repórter ao dizer que ela ‘queria dar o furo [risada geral] a qualquer preço contra’ ele

(Foto: Alan Santos/PR)

Por Kalleo Coura | Jota*

O presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) foi condenado a indenizar a jornalista Patrícia Campos Mello por atacá-la de forma machista ao dizer que “ela queria, ela queria um furo. Ela queria dar o furo [risada geral] a qualquer preço contra mim”. A decisão de primeiro grau foi proferida nesta sexta-feira (26/3) pela juíza Inah de Lemos e Silva Machado, da 19ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo. Embora Campos Mello pedisse uma indenização de R$ 50 mil por danos morais, o valor foi arbitrado em R$ 20 mil.

A jornalista Patrícia Campos Mello foi a autora das reportagens na Folha de S.Paulo que revelaram e detalharam o esquema irregular, bancado por empresários, de disparo de mensagens anti-PT nas eleições de 2018. O principal beneficiado pelo esquema seria Jair Bolsonaro, então candidato à presidência da República.

Em janeiro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, já havia sido condenado a indenizar a jornalista em R$ 30 mil, por dizer que ela “tentava seduzir [fontes] para obter informações que fossem prejudiciais ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido)”.

Em entrevista coletiva, ao comentar o depoimento dado por Hans River, funcionário de uma das empresas de disparo de mensagens e fonte da reportagem, na CPMI das “Fake News”, Bolsonaro fez os ataques à jornalista. Além disso, ela afirma que ele publicou um vídeo com a entrevista no “Facebook”, o que gerou maior repercussão.

O presidente da República se defendeu dizendo que expôs apenas suas opiniões de natureza política e que o termo furo estava dentro do contexto jornalístico, de forma que não houve intenção deliberada e dolosa de ofendê-la, “tratando-se do exercício do direito de livre expressão e informação. As ofensas não teriam partido do réu, mas sim dos comentários realizados na rede social”, diz a defesa.

A juíza, contudo, considerou que ao contrário do que afirmou a defesa do presidente, a fala dele não foi uma mera reprodução do depoimento prestado por Hans River na CPMI — depoimento que a Folha demonstrou ser mentiroso. Isto porque River não utilizou a palavra “furo”, dita pelo presidente na entrevista coletiva.

Bolsonaro havia dito: “a jornalista da Folha de São Paulo, tem mais de um vídeo dela ai. Eu não vou falar aqui que tem senhora aqui do lado. Ela falou eu sou a tá tá tá tá do PT, tá certo? E o Depoimento do River – River né? – Hans River, no final de 2018 para o Ministério Público, ele diz do assédio da jornalista em cima dele. Ela queria, ela queria um furo. Ela queria dar o furo [risada geral] a qualquer preço contra mim”.

Segundo a magistrada, cabe aferir se utilizar a frase “ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim” teria o condão de atingir a honra da autora. A resposta, para ela, é afirmativa. “Primeiramente, devemos considerar a profissão da autora, jornalista, conhecida na mídia não só nacional e também o cargo político ocupado pelo réu, a Presidência da República e, portanto, suas declarações reverberam por todo o país e também no exterior”, afirmou.

A defesa de Campos Mello conseguiu demonstrar que houve “comentários na rede mundial de computadores sobre a sua honra, em decorrência da frase de “dar o furo”, sendo comentários ofensivos. Ainda que o réu não seja por eles responsável, o seu ato deu ensejo a eles”, avalia a juíza.

A juíza pondera que não há de se falar em liberdade de expressão ou de pensamento, pois ela não é ilimitada, de maneira que deve ser observado o direito alheio, especificamente a intimidade, a honra e a imagem da vítima.

Cabe recurso da decisão. A ação tramita com o número 1020260-77.2020.8.26.0100.

KALLEO COURA – Editor executivo em São Paulo. Responsável pela coordenação da cobertura do JOTA. Antes, trabalhou por oito anos na revista VEJA, onde foi repórter de Brasil, correspondente na Amazônia, baseado em Belém, e no Nordeste, com escritório no Recife. Email: kalleo.coura@jota.info

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