domingo, 25 de julho de 2021

"O que será que ela fez pra merecer dois tapas?"

Essa fala segue a mesma lógica do "mas com essa roupa, claro que ia ser estuprada"; "então porque foi com ele pro motel?"; "e por que ele batia nela? Algum motivo tinha".

Por Nathalia Vasconcellos*

Todos os dias, todos, temos que repetir e repetir: a culpa não é da vítima!

Após as declarações do senador, ele fez uma live (que está disponível, na íntegra, em seu perfil oficial) para explicar a contextualização da sua fala.

No vídeo, ele admite ter usado errado o verbo "merecer" e diz que o recorte feito estava descontextualizado. O contexto (tema da live) era violência policial. Ele defende que os dois lados precisam ser ouvidos.

E eu sigo tentando entender o que poderia justificar os dois "bons tapas" naquela mulher. Em qual tipo de versão dele, o policial, isso poderia estar explicado?

Violência policial, violência contra o cidadão, violência contra o advogado como vimos nesta semana...

Bom, o senador alega que pegaram um recorte da live e em cima deste recorte estão fazendo julgamentoos sem lembrarem que ele também faz a defesa pelas mulheres em diversos momentos e projetos... 

E é aí que está!

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Precisamos entender isto: Pensamentos do tipo "o que essa mulher fez para merecer esses tapas" estão enraizados na nossa sociedade (na cabeça de homens e mulheres), pela lógica do machismo estrutural.

O homem que abusa, humilha, estupra, ofende, maltrata, omite, bate, empurra, limita (atos isolados ou não) é o mesmo homem honesto, trabalhador, gente boa, engraçado, amigo, bom pai (sim), esforçado, e até, quem sabe, bom senador. São nossos amigos, vizinhos, parentes, maridos, namorados, primos, chefes, funcionários, dirigentes, políticos...

Tentar justificar não vai mudar sua fala e nem o que ela representa, senador - ou qualquer outra pessoa que cometa um ato de violência verbal, que é o caso.

E ainda penso que sua fala, ainda que violenta, também não te torna um homem ruim, agressivo, criminoso. Ninguém é 100% bom, nem 100% ruim. Essas falas (conscientes ou não) estão presentes todos os dias entre nós.

Mas isso precisa acabar.

Isso precisa acabar porque mata! Esse tipo de pensamento mata!

Nenhuma versão do policial ou de qualquer homem vai justificar a violência. Admitir que errou, que erra, e querer entender, aprender, é o primeiro passo, de cada um (qualquer pessoa) para começarmos a mudar nosso cenário absurdo de violência contra as mulheres.

*Nathalia Vasconcellos é advogada, especialista em gestão de conflitos familiares e uma das coordenadoras do projeto Mulheres Explicam Direito.

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