sábado, 8 de agosto de 2020

O presidente e as 100 mil mortes no Brasil

Por Camilo Rocha

Do Nexo


O presidente Jair Bolsonaro afirmou na quinta-feira (6) que está com a “consciência tranquila” em relação à sua atuação como líder da nação durante a pandemia do novo coronavírus. Às vésperas de o país bater a marca dos 100 mil mortos por covid-19, Bolsonaro disse ter feito “o possível e o impossível para salvar vidas”.


O presidente deu a declaração depois de assinar uma medida provisória alocando R$ 1,9 bilhão para a aquisição da vacina contra o coronavírus que vem sendo testada pelo laboratório AstraZeneca e pela Universidade de Oxford. Acompanhado do ministro interino da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello, ele aproveitou a ocasião para defender mais uma vez a hidroxicloroquina, remédio cuja ação contra a covid-19 não tem comprovação científica.

(Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters)

Mais tarde, em sua live semanal no Facebook, Bolsonaro voltou ao assunto: “Lamento a todas as mortes, já tá chegando nos 100 mil (...). Vamos tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”. O presidente estava novamente acompanhado de Pazuello, que comparou a covid-19 ao vírus causador da aids: “O HIV continua existindo, e a maioria se trata. É vida que segue”, disse o general.


As atitudes de Bolsonaro ao longo da maior crise sanitária do século foram amplamente condenadas dentro e fora do país. O presidente se recusou a admitir a gravidade da covid-19, chamou a doença de “gripezinha”, fez oposição ativa contra as medidas de isolamento social necessárias para conter o vírus, levou dois ministros da Saúde à demissão e adotou uma insistente defesa da cloroquina e da hidroxicloroquina. Recentemente, representações no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda, pedem que Bolsonaro seja investigado por sua atitude na pandemia.


O estado de pandemia foi decretado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 11 de março. A primeira vítima fatal da covid-19 no Brasil viria a ser registrada dias depois. Abaixo, o Nexo lista cinco declarações simbólicas de Bolsonaro que ilustram a forma como o presidente encarou a crise, especialmente diante do número crescente de vítimas, quando o país já mostrava o descontrole diante da crise sanitária. Em 8 de agosto de 2020, o Brasil passou a marca de 100 mil mortos pela covid-19.


“E daí? Quer que eu faça o quê?”

Jair Bolsonaro

presidente, em 28 de abril, quando o Brasil computava 5.017 mortos


A declaração foi dada a jornalistas na porta do Palácio da Alvorada, no dia em que o Brasil ultrapassou a China em número total de mortes pela covid-19. Foi a frase mais impactante de um mês em que o presidente já havia dito que não era “coveiro”, ao ser questionado sobre as vítimas da covid-19. Em 16 de abril, o presidente demitiu o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, por divergência no discurso do combate à doença. O ministro contrariou Bolsonaro ao defender o isolamento social e se recusar a endossar o uso da cloroquina para casos leves da doença — o protocolo do Ministério da Saúde só previa a utilização em casos graves. Também pesou o fato de que a popularidade de Mandetta vinha ofuscando o presidente. No lugar de Mandetta, assumiu o oncologista Nelson Teich.


“Todo mundo vai morrer aqui”

Jair Bolsonaro

presidente, em 22 de maio, quando o Brasil computava 21.116 mortos


A declaração foi dada também na frente do Palácio da Alvorada, durante um discurso informal em que Bolsonaro disse que doentes tinham de ser isolados e cuidados por suas famílias. “Lamento as mortes, mas é a realidade. Todo mundo vai morrer aqui. Não vai sobrar nenhum aqui”, disse. Nesse mesmo mês, o presidente chegou a dizer ironicamente que faria um churrasco no Alvorada. Em 15 de maio, o ministro Nelson Teich pediu demissão depois de receber um ultimato de Bolsonaro para que endossasse o uso da cloroquina para casos leves de covid-19. Em seu lugar, assumiu interinamente o general da ativa Eduardo Pazuello, sem experiência na área da saúde. No mesmo dia da fala de Bolsonaro foi divulgado o vídeo de uma reunião ministerial realizada um mês antes, quando o Brasil tinha 2.924 mortos pela doença. Nas imagens, a pandemia é citada em raras ocasiões. Uma delas é quando Bolsonaro cobra o ministro Teich sobre medidas para sair do isolamento social e retomar a atividade econômica. A outra é quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fala em aproveitar que as atenções do país estão voltadas para a doença para flexibilizar leis ambientais.


“Cobre do seu governador, sai daqui”

Jair Bolsonaro

presidente, em 10 de junho, quando o Brasil computava 38.497 mortes


A frase foi dita em resposta a uma ex-apoiadora que o questionou sobre alto número de mortes causadas pela covid-19 no país. Em 19 de junho, quando o país ultrapassou a marca de um milhão de casos confirmados, o presidente relativizou dizendo que teria diagnóstico positivo pela terceira vez em 22 de julho. No início do mês, o Ministério da Saúde chegou a retirar dados acumulados de infectados e mortos do site dedicado a informações sobre a pandemia, mantendo só os números das últimas 24 horas. “Quase 90% não sentem quase nada”, a pasta voltou a incluir os dados completos. No final do mês, a imprensa divulgou que laboratórios do Exército já haviam gasto R$ 1,5 milhão na produção da cloroquina, um remédio sem comprovação científica contra o coronavírus.


“A história irá dizer quem está certo no futuro”

Jair Bolsonaro

presidente, em 15 de julho, quando o Brasil computava 75.523 mortes


Em uma transmissão pelo Facebook, Bolsonaro fez mais uma defesa da hidroxicloroquina, mesmo diante de novos estudos que questionam a eficiência do remédio. Na mesma fala, sugere que aqueles que combatem o remédio deveriam ser responsabilizados por mortes por covid-19. No mesmo dia, o presidente foi diagnosticado com a doença pela segunda vez no mês. Ele afirmou que vinha tomando doses diárias do medicamento, seguindo indicação de seu médico. Em documento interno do Ministério da Saúde obtido pela imprensa, Bolsonaro fez mais uma defesa a um estoque de mais de 4 milhões de comprimidos de cloroquina. Por problemas logísticos, os medicamentos encalharam. Com 70 dias no cargo, Pazuello acumula críticas por má administração de recursos e ineficiência nas ações da pasta.


“Vamos tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”

Jair Bolsonaro

presidente, em 6 de agosto, quando o Brasil computava 98.644 mortos


No início de agosto, o Brasil é o segundo país em mortes e infectados por covid-19 no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. A maneira como o presidente dos EUA, Donald Trump, lida com a pandemia é similar a de Bolsonaro, da defesa da cloroquina à insistência de que a economia precisa ser retomada. Com vários estados brasileiros promovendo a reabertura de atividades sem que suas curvas de contágio tenham se estabilizado, especialistas afirmam que a covid-19 segue descontrolada no país. Também em 6 de agosto, o Supremo Tribunal Federal confirmou por unanimidade a liminar do ministro Luís Roberto Barroso que obriga o governo federal a tomar medidas de proteção aos povos indígenas. Em julho, Bolsonaro havia vetado vários itens de um projeto de lei de socorro aos povos originários e a quilombolas, incluindo a obrigação do estado de fornecer água potável e leitos de UTI.


Nota do Blog Carol Ribeiro - Os países que melhor saíram desta crise foram os que levaram a doença e as recomendações sanitárias a sério. Na Alemanha, por exemplo, apesar do alto número de infectados, a testagem em massa e estrutuuração do sistema de saúde resultou num baxo número de mortos. Argentina e Japão recorreram à alta taxa de isolamento social. Os países negacionistas são os que têm mais mortes no mundo: Estados Unidos e Brasil.  

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