domingo, 18 de abril de 2021

Racismo não é “mimimi”

A ação teve como objetivo estimular a denúncia e também sensibilizar aliados para que toda a sociedade possa combater as práticas ofensivas


(Foto: Pilar Olivares/ Reuters)

Por Ady Canário*

O racismo é uma forma de violar direitos, liberdades individuais, portanto, é crime como previsto no Artigo 5° da Constituição Federal, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, em seu Inciso XLII: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.” 

Nesse sentido, na prática, o racismo está enraizado na sociedade em suas dimensões subjetiva, institucional e estrutural, sendo um modo sistemático. O racismo difere, mas tem extrema ligação, do preconceito e da discriminação, manifestando-se no cotidiano de nossas vidas, seja consciente ou inconscientemente. 

Vários estudos, debates e reflexões vêm de longe, graças ao movimento negro, especificamente na denúncia do racismo à criação de políticas. Daí, nos últimos tempos, o desafio de refletir sobre o racismo estrutural, tem sido constante, para mostrar que ele faz parte da cultura e está enraizado na sociedade, sendo um fenômeno que aprofunda a desigualdade racial e a violência racista. É extremamente necessário buscar formas antirracistas que enfrentem e combatam o racismo.

Partindo desse contexto, há alguns dias, a Prefeitura Municipal de Araquarara-SP lançou uma campanha intitulada "Racismo não é mimimi", com propagandas nas mídias digitais. De acordo com seus idealizadores, a ação teve como objetivo estimular a denúncia e também sensibilizar aliados para que toda a sociedade possa combater as práticas ofensivas. 

A ação educativa marcou o “Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial”, lembrado em 21 de março, com informativos, vídeos e lives se contrapor à expressividade de determinados grupos que utilizam do discurso pejorativo para com as pessoas negras, de forma velada ou não, atingindo toda população: “racismo é mimimi” e “tudo é racismo”, por exemplo. O racismo sempre existiu, apesar da sua negação: “não sou racista” “tenho amigos negros/as”, como nos diz Grada Kilomba “No racismo, a negação é usada para manter e legitimar estruturas violentas de exclusão social”. 

Numa sociedade racista, a campanha “Racismo não é mimimi” é uma importante ação antirracista produz efeitos de sentido positivos na constituição da identidade negra na luta por direitos, especificamente por conta do legado da escravidão que tem como fundamento o racismo colonial, na desumanização cotidiana que ainda associa estereótipos racistas a determinados grupos. Por vezes os coloca em patamares de raças inferiores, suspeitas e perigosas. 

A campanha busca sensibilizar para o combate ao racismo estrutural, quando deveria ser obrigação de todas as pessoas, independente do pertencimento étnico-racial, crenças ou posições políticas. Campanhas e Leis antirracistas são necessárias, sobremaneira se traduzem numa importante estratégia para a promoção da equidade racial. Além disso, são técnicas de resistência para desfazer o impacto que a escravidão ainda acarreta para os/as negros/as. 

São tidos como negros/as, os/as que se autodeclaram pardos e pretos, de acordo com o IBGE, somando 56,8% da população brasileira. Essa população é potencialmente vítima do racismo por vezes submetida às situações análogas ao período escravocrata. Outra contribuição da campanha é servir para a reflexão em desfazer distorções e equívocos no imaginário social, pois o mito da democracia racial e da ideologia do branqueamento atinge todas as pessoas, negros/as, brancos/as e outros grupos étnico-raciais. 

As políticas para a educação das relações étnico-raciais e para o estudo da cultura afro-brasileira e africana, a partir da Lei 10.639/2003, já colocam que o racismo imprime diversas marcas negativas nos modos de subjetividade dos/as negros/as e também nos dos que os/as discriminam. Esse racismo como dispositivo de poder precisa ser combatido por todos/as na luta pela eliminação do preconceito e discriminação que regem a estrutura social de poder.

Precisamos de mais campanhas como essas. De mais ações afirmativas, políticas educativas étnico-raciais inclusivas e reparatórias. Rotular de “mimimi” é desprezar a dor do outro. Sejam bem-vinda, campanha “Racismo não é mimimi”. Mecanismo necessário e urgente. Combater o racismo não é “mimimi”, é fortalecer, entre todos/as nós, o despertar para uma consciência negra a partir de atos de visibilidade e novas formas de resistência.


*Ady Canário é professora, doutora do Departamento de Ciências Humanas-UFERSA e pesquisadora do GEPEDS/Coletivo NEGRAS, Mossoró-RN.


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