terça-feira, 20 de novembro de 2018

Dia da consciência negra: Ausências, presenças e responsabilidades

Por Bárbara Correia Florêncio Silva
Do JOTA

Após 324 anos do assassinato de Zumbi dos Palmares, o povo negro permanece resistindo em uma dinâmica de ausências e presenças nos espaços sociais, o dia da Consciência Negra, portanto, materializa a ideia de que para construir o futuro, não se pode deixar de lado o passado. A ausência dos negros é gritante em ambientes de poder, enquanto sua presença é maciça nas estatísticas de vulnerabilidade, como se verifica ano após ano, pesquisa após pesquisa.

Os ambientes de trabalho, em especial o mundo corporativo, refletem essa dinâmica e os escritórios de advocacia não fogem à regra: segundo pesquisa do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA) de 2017, entre seus mais de mil escritórios associados, apenas 1% de seus cargos são ocupados por negras e negros. Além disso, a distribuição dos profissionais ao longo das suas estruturas hierárquicas segue a pirâmide social brasileira segundo a qual a sobreposição de raça e classe os posicionam sempre na base e muito raramente no topo.

Nesse contexto, um dos grandes desafios a ser enfrentado é a superação do discurso da meritocracia, que reduz enormemente o leque de faculdades de direito que formam advogados e advogadas supostamente aptos a alcançar o nível de excelência exigido. Ignora-se, contudo, que essas poucas faculdades reproduzem a mesma lógica de exclusão da população negra e periférica e que a diversidade não se vê nelas representada. A meritocracia seleciona somente aqueles que foram privilegiados e tiveram acesso ao ensino de qualidade, mantendo, de um modo geral, escritórios e o meio jurídico bastante homogêneos.

Felizmente, esse cenário vem mudando, tanto pela implementação de ações afirmativas e cotas raciais nas universidades públicas, como também pela clareza dos escritórios de seu papel na promoção da equidade racial no meio jurídico. Projetos que têm como objetivo qualificar estudantes negros e negras para participarem de processos seletivos jurídicos em melhores condições – como é o caso do Incluir Direito, desenvolvido pelo CESA – e Programas de Diversidade e Inclusão cada vez mais comuns em escritórios de advocacia têm sido de importância inegável. A sensibilização da comunidade jurídica para a temática racial, sem dúvida, sinaliza uma mudança cultural há muito necessária.

Missa afro em comemoração ao Dia da Consciência Negra em 2015
(Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil/Fotos Públicas)

O dia 20 de novembro de 1694 opõe-se à data da abolição da escravatura no Brasil, o 13 de maio de 1888, que além de marcar o atraso do país que foi o último entre as colônias europeias a abolir a escravização, e retirar o protagonismo da resistência negra aos horrores da escravatura, foi uma mera formalidade e não serviu a extinguir a vulnerabilidade a que estava exposto o povo negro, somente a transformá-la em outra, sob novos moldes.

Sabemos que a abolição da escravatura fundou as estruturas de desigualdade que determinam as ausências e presenças da população negra até os dias atuais. Nesta data, além de relembrar a relevância histórica de Zumbi e de todos aqueles cujos nomes e histórias desconhecemos, que contribuíram e continuam contribuindo para a formação desse país, também lembramos da importância de todos, negros e não-negros, reconhecerem as consequências inequívocas dessa história e a responsabilidade de trabalhar ativamente para sua transformação.

BÁRBARA CORREIA FLORÊNCIO SILVA – advogada da prática de 100% pro bono e lidera o grupo SOMA, ambos do Mattos Filho, em seus esforços para promover a equidade racial.